Entrevista

Entrevista | Alex Sant’Anna fala sobre o novo disco e suas inspirações

Entrevista exclusiva com o cantor e compositor sergipano Alex Sant’Anna sobre seu terceiro disco, “Baião Amargo”, que foi produzido por Leo Airplane com produção executiva de Nah Donato e do próprio Alex Sant'Anna.
Foto Divulgação por Duane Carvalho

Em 2020, o cantor e compositor sergipano Alex Sant’Anna laçou seu terceiro disco, “Baião Amargo”, que foi produzido por Leo Airplane com produção executiva de Nah Donato e do próprio Alex Sant’Anna, tudo gravado no DR5 Estúdio. O trabalho contou com o time de participações especiais composto por Isaar, Jaque Barrosso, Diane Veloso, Luiz Oliva, Marco Vilana e a cantora Karla Lamboglia, do Panamá.

Um excelente disco que tivemos o prazer de fazer a resenha dele (leia clicando aqui). Agora tivemos novamente o prazer de entrevistar Alex Sant’Anna, foi muito bacana mesmo. A entrevista foi bem densa, assim como o disco, e você pode conferir tudo agora.


ENTREVISTA

1 – Primeiramente, muito obrigado por ceder seu tempo para a gente conseguir bater esse papo. Vamos começar falando sobre a transição do disco anterior “Enquanto Espera” (2015) para este novo trampo. Foram 5 anos entre o lançamento dos dois, você se viu muito ansioso nesse tempo para conseguir lançar algo ou conseguiu fluir normalmente no período e quis ter tempo suficiente para amadurecer todas as ideias que você queria colocar no disco “Baião Amargo” (2020)?

Alex Sant’Anna: Poxa, eu que agradeço por poder falar sobre meu disco aqui no Polvo Manco. Realmente cinco anos parece ser um tempo longo, mas como eu tenho outra profissão me sobra pouco tempo pra trabalhar com música e, além disso, moro num estado sem nenhum tipo de política pública para cultura e, olhando por esse lado, 5 anos não foi tanto tempo assim. Já tinha financiado o “Enquanto Espera” com uma campanha de crowdfunding e não queria fazer outra campanha dessa com espaço curto de tempo.

Entre os dois discos eu lancei ainda o EP “Insônia” (2017) e só depois desse EP que eu pensei em gravar um novo álbum e usei cerca de 2 anos para amadurecer todas as ideias pro “Baião Amargo”, tirar o disco da minha cabeça e misturar com o disco que estava nascendo na cabeça dos músicos e do produtor do “Baião Amargo”. Tem também o fato de eu ter feito parte da banda naurÊa até 2017 e juntando toda a discografia em 17 anos lancei 6 discos (3 solos), 1 DVD e 4 EPs.

2 – A canção “Por Um Clique”, que abre o “Baião Amargo”, fala sobre a dependência e relação das pessoas com a conectividade, principalmente através dos celulares, e veio muito a calhar agora, pois se encaixou ao momento que vivemos com o isolamento social. Conte um pouco sobre como foi a composição da letra e o que você estava sentindo durante o processo.

Alex Sant’Anna: Acho que esta letra foi a que mais eu lapidei. Não me sinto solitário, de forma alguma, mas no dia que fiz a letra estava sozinho em casa acompanhando a vida das outras pessoas através das histórias do Instagram e me lembrei de uma música de Tom Zé onde ele fala “São oito milhões de habitantes, Aglomerada solidão” (Música São, São Paulo) e esse foi o gatilho pra começar a escrever a letra.

Dificilmente eu pego em caneta pra escrever alguma canção, normalmente já escrevo no computador ou no celular, aí comecei a pesquisar sobre essa solidão compartilhada, solidão nas redes sociais e os efeitos dessa falsa sensação de que estamos nos socializando.

Capa do Disco por Carol Patriarca.

3 – Ouvindo as músicas, percebemos que tem sim um pouquinho do baião, mas tem pop, rock, eletrônico, samba, música latina tudo num pós-moderno afrofuturista. Como você consegue amarrar tantas influências distintas para a construção das músicas?

Alex Sant’Anna: Quando comecei a pensar no disco eu defini que queria um disco mais preto, já que eu achava meus outros dois um tanto quanto sem melanina, mais quadrado, mais anêmico, e aí fui pesquisar música negra, ler autores negros e em uma matéria do site Socialista Morena explicava porque na música negra dos EUA não tinha batucada e falava de uma teoria de que os tambores foram proibidos porque se acreditava que os escravizados estavam se comunicando através dos tambores e eu achei isso muito interessante e decidi que, diferente dos meus outros discos solos, eu usaria o tambor para me comunicar.

Daí fui ouvindo música negra de vários lugares, cumbia colombiana, soul estadunidense, samba brasileiro e cheguei à conclusão que queria como norte do meu disco o Baião, por ser uma música preta, brasileira e nordestina e que eu tinha mais proximidade. Definido isso comecei desenhar o disco, mas eu não queria um disco de forró, queria que Baião fosse um elemento forte, mas queria que todas as outras influências minhas e dos músicos pudessem soar também, que as atmosferas dos textos afrofuturistas pudessem fazer parte dos arranjos e assim fomos costurando o disco sempre com o cuidado para que nada soasse como forçado e Leo Aiplane, produtor do disco, entendeu bem isso e soube conduzir da melhor forma possível.

Uma curiosidade, a música ”Bora lá Bailar” foi arranjada como um Afrobeat, mas com o disco já pronto eu pensei que a canção não estava como eu queria e voltamos pro estúdio pra pensar num novo arranjo e aí surgiu a versão cumbia que está no disco, ou seja, ela nasceu baião, virou afrobeat e foi gravada como cumbia.

4 – Uma das coisas que mais gostei no disco “Baião Amargo” foram suas composições. Novamente repito que fiquei apaixonado por todas as letras, você é um excelente compositor. Fazer canções tão densas, amargas e ácidas fala muito sobre o nosso repertório de vivências. Tem alguma para compartilhar e que foi fonte de inspiração ao longo de sua carreira como compositor?

Alex Sant’Anna: Sempre acreditei que eu não conseguia falar de mim, ser pessoal, aí comecei a desenvolver essa questão de observar mais as dores dos outros, falei de insônia, falei de solidão, falei dos sentimentos de outras pessoas e nesse disco eu entendi que no fundo eu estava falando de mim, por isso a última canção do disco fala “por mais que eu tente me esconder eu me mostro”. Mas tenho outras inspirações, filmes me inspiram, livros e discos me inspiram, tento fazer um mashup de tudo que chega pra mim e talvez seja a forma como consigo sintetizar minhas ideias em letras curtas e diretas.

5 – “Esta Não é a Canção Que Você Merece” é a minha preferida do disco, me arrebatou demais. Qual foi sua motivação para escrever ela?

Alex Sant’Anna: Esta talvez seja uma das letras mais pessoais. Eu sempre fiquei com um pé atrás em me colocar como poeta, porque sempre achei que fazia letra de música e que elas não se sustentariam sem a melodia. No primeiro disco tenho uma canção chamada “Poesia de Barro” onde falo “Minha poesia é de barro, mas meu som é de aço”, onde grito que minha poesia é frágil, mas com a música ela ganha força, fica de aço. Voltando para o “Baião Amargo”, eu queria escrever uma canção para Diane, minha amada, já que eu falo pouco de amor, mas eu queria uma letra foda, uma poesia como de poetas como Blendas Santos, Débora Arruda, Alan Jones e Pedro Bomba, todos daqui de Aracaju, como não consegui fazer, eu resolvi brincar com isso, falando das coisas e poesias que eu gostaria de oferecer pra ela.

Foto Divulgação

 6 – Você trouxe muitas parcerias para esse disco: Isaar, Jaque Barrosso, Diane Veloso, Luiz Oliva, Marco Vilane e a cantora Karla Lamboglia. No geral, como foi o convite para eles participarem? Você já conhecia todos, eles toparam de cara ou teve que rolar um trabalho de convencimento ali para aceitarem participar?

Alex Sant’Anna: Foi tudo muito natural, são todas pessoas que eu gosto muito. Todos são bem próximos, com exceção de Karla Lamboglia, cantora do Panamá que conheci em Recife num projeto que participamos chamado Cantautor, a gente só teve esse contato, mas criamos uma admiração mútua e logo que pensei em gravar o disco o nome dela veio na minha cabeça. Luiz Oliva ia ser o produtor do disco e como teve que sair do projeto logo no início eu o convidei pra gravar uma música, queria muito ele no disco.

Marco Vilane é amigo/parceiro musical/irmão, temos muitas composições juntos, inclusive nesse disco gravei a canção “Tudo em Seu Lugar”, mas queria que ele cantasse uma canção e deixei que ele escolhesse e a escolhida foi “Algo Novo”. Jaque Barroso foi uma parceria interessante, eu a convidei pra cantar O “Peso das Coisas” num show, mas ao chegar no ensaio ela veio com a ideia de um complemento de letra e automaticamente a música que era apenas minha ganhou uma parceira, e ficou tão bacana que ela tinha que tá no disco.

Isaar, é uma querida, a conheci quando ela veio de Recife cantar aqui em Aracaju com Dj Dolores e Orquestra Santa Massa, desde então passamos a alimentar essa amizade. Ela participou do DVD da minha antiga banda, naurÊa, e quando estava gravando a música “Esquecimento” o nome dela veio imediatamente à minha cabeça e de Diane, o convite foi aceito rapidamente e a música ficou linda.

7 – Qual sua música preferida do “Baião Amargo”? Aquela que mais te dá aquele quentinho no coração e orgulho de ter escrito.

Alex Sant’Anna: Essa pergunta é difícil hehehe. Hoje a que eu mais gosto é “Por um clique”, por ser uma letra certeira, com a métrica bem acertada, a brincadeira com as palavras em português e inglês e é claro, uma melodia em tom maior, mas melancólica e no refrão, que normalmente é a parte que a música cresce, eu trago o ouvinte ainda mais para a reflexão. E o clipe, gravado já durante a quarentena, completa a ideia da letra. (veja o clipe aqui)

 8 – “Morrendo em Paz” é uma faixa bem pesada levando em consideração a mensagem que ela traz. Você acha que ela representa o povo brasileiro? Sobre batalhar, sofrer e continuar levando.

Alex Sant’Anna: Acho que essa música é a minha “Ouro de Tolo” minha “Panis et Circenses”. Acho que ela representa todos os povos que vivem nesse sistema neoliberal, capitalista ao extremo, onde o trabalhador mal tem tempo pra viver, onde as religiões vendem a ideia de que seu sofrimento terreno vai valer a pena quando você chegar ao plano dos deuses, tudo isso com a nossa permissão, seguimos atônitos, levando, levando, levando como na canção “Vai Levando” de Chico Buarque.

 9 – A canção “O Pacto” também é muito linda, o coro e o instrumental ficaram incríveis. Mas qual a mensagem você quis passar com ela? Pois parece bem subjetiva.

Alex Sant’Anna: Entregar logo o que eu queria dizer ou manter a subjetividade foi a minha dúvida quando gravei esta canção e acabei deixando mais aberta, mas se eu tivesse colocado a frase que eu falo logo que a música acaba essa subjetividade teria sido desfeita. “O Pacto” que eu falo é do acordo proposto por Jucá “Chegou a hora “do grande acordo nacional com o Supremo, com tudo””. Eu terminava a música falando “Com Supremo, com tudo”, mas acabou não entrando. (Veja a matéria do site G1 sobre a conversa de Jucá com o ex-presidente da Transpetro)

10 – Indique alguns artistas sergipanos do ramo da música que fazem um trabalho que você gosta/admira muito e que deveriam ser reconhecidos pelo Brasil todo.

Alex Sant’Anna: Aqui tem muita banda/artista que eu gosto. A The Baggios é a que vem tendo maior destaque com seu Rock, Blues embaiãzado, gosto muito. A Banda dos Corações Partidos com seu som melodramático, é banda que eu mais gosto, mas sou suspeito, já que escrevo a maior parte das canções. Peço aos leitores que procurem pra ouvir não apenas essas como também Jaque Barroso, Anne Carol e os Afrodrums, Mayra Felix, Lau e Eu, Mestrinho, Afropatricinha, Luno Torres, Morgana, Mamah, Quesia Sonza, Pérola Negra Lavinny, Lari Lima, Héloa, Donali, Denys Ben, Roger Kbleira, Erivaldo de Carira, Jeca, Tori, Nicole Donato, Clemilda, SandyAlê, Polayne, Joésia Ramo, Taya, Camilla Campos, Samba de Moça SóCafé Pequeno, Madame Javali, Taco de Golfe, Maria Scombona, Arthur Matos, Isis Broken, Mahuike, Thiago Ruas, Werden, Cidade Dormitório, Snooze, Mestre Madruguinha, El Presidente, Ato Libertário, Anavantou, Heitor Mendonça, João Ventura, Nino Karvan, naurÊa, Karne Krua e muitas outras. Eu indico essa minha playlist “Serigy All-Stars” onde divulgo os lançamentos da produção sergipana.

Ouça a Playlist Serigy All-Stars:

 11 – Fora da música, quais artistas sergipanos você gosta muito? Pode ser literatura, artes visuais/plásticas, cinema, teatro, fotografia, trampos manuais entre outros.

Alex Sant’Anna: Com certeza vou esquecer alguém importante, mas vamos lá, tem muita gente boa.

Literatura: Taylane, Blenda Santos, Débora Arruda, Pedro Bomba, Alan Jones, Beatriz Nascimento e Antônio Carlos Viana

Teatro: Grupos Caixa Cênica, Ubutum, Boca de Cena, A tua Lona, Raizes Nordestinas, Isabel Santos, História Encena e Imbuaça

Artes Visuais: Larissa Vieira, Fillcolagem, Antônio da Cruz, Jamson Madureira, Fábio Sampaio, Gabi Etinger, Elias Santos, Crec Leão e, é claro, Athur Bispo do Rosário.

Fotografia: Pritty Reis, Melissa Warwick, Edu Freire, Marcelinho Hora, Victor Balde, Zak, Thiago Ribeiro

Cinema: Everlane Moraes, Luciana Oliveira, Lucas Vieira, Lu Silva, Baruch Blumberg, Manoela Veloso Passos, Leandro Godinho, Gabriela Caldas, Carol Mendonça, Moena Pascoíne, Fábio Batista, Ilma Fontes, Rafael Mingau. Indico procurar os festival Sercine e a Mostra Egbé de Cinema Negro.

12 – Para finalizar, com esse isolamento social a classe artística no geral está sofrendo bastante. Precisamos nos ajudar e fortalecer, mas nem sempre sabemos como ajudar os artistas. De qual forma as pessoas com condições podem colaborar com os artistas independentes que elas gostam?

Alex Sant’Anna: Nós como artistas estamos ressignificando o nosso fazer artístico, descobrindo novas maneiras de nos expressar e ao mesmo tempo o público vai precisar também repensar seus modos de consumir arte. Acho que as pessoas têm estar atentas às necessidades de cada artista, já que não tá indo aos shows que possam colaborar com as lives, já que não estão gastando dinheiro com uber que possam comprar produtos dos artistas que estão ao seu lado, divulgando as ações até seguindo nas redes sociais e nos serviços de streaming. Estar em rede é a única saída, artista e público juntos, próximos, produzindo e consumindo essa arte que nos salva.

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