
“Os Prédios Cinzas e Brancos da Av. Maracanã” é o nome do primeiro disco da banda carioca Aquino e a Orquestra Invisível.
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“Os Prédios Cinzas e Brancos da Av. Maracanã” é um álbum composto por conexões. De uma extremidade a outra, a Av. Maracanã se tornou o caminho percorrido por mais de um ano pelos músicos da Aquino e a Orquestra Invisível para compor este trabalho. As canções também são interligadas, ao todo são treze músicas que formam seis pares e mais um interlúdio.
E foi desta forma, com conexões, que também se criou minha relação com a banda há mais de um ano. Deste então, apesar de nunca termos nos visto pessoalmente, sinto que somos amigos bem próximos. Diante disso, resolvi fazer uma resenha especial. Hoje, pela primeira vez, estou resenhando não apenas um disco, mas cada uma das músicas.
Isso mesmo, cada canção que compõe “Os Prédios Cinzas e Brancos da Av. Maracanã” ganhou uma mini resenha. Ao todo ficou um pouco longa, mas acreditem, vale muito a pena percorrer esse caminho junto com a gente pela Av. Maracanã.
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Ruas
A submersão nas sonoridades podem ser muito arrebatadoras. Você pode colocar seus pés lá lentamente, mas será devorado por elas, assim como quando saímos de casa e o inesperado pode acometer nossos desejos a qualquer instante e você não terá mais nenhuma reação.
“Ruas” se coloca de modo tão surpreendente que faltam palavras, a forma em que lados opostos são colocados sem levar em consideração sua dualidade torna tudo tão belo e feroz.
As guitarras viscerais e rasgadas e ao mesmo tempo lentas nos colocam em reflexão, afinal, a falha inadmissível do urbanismo deixou a cidade nua, as ruas escuras e nossas escolhas repletas de desventuras.
Pitaya
“Pitaya”. Das coisas mais belas que os olhos podem ver. “Pitaya”. Das coisas mais belas que os ouvidos podem escutar. Como um rapto de atenção, logo estamos completamente em transe, sendo levados pela sonoridade que se criou através de acordes, notas e sintetizadores.
Ela nos toma por inteiro, e quando isso se dá, não queremos saber de mais nada, pois a contemplação de tudo o que ouvimos beira à perfeição.
Estabelecemos uma relação forte e sensorial. Todo o corpo sente muito bem as vibrações e transpassa-as em forma de sensações que beiram a lisergia. “Pitaya” é incorporada em nosso ser, agora somos um só dançando ao ritmo do incalculável.
Veja o Clipe da Canção Pitaya
302
“302” é a representação do lugar onde tudo acontece. Cada coisa que ouvimos nesse disco surgiu lá. É como se fosse o plano astral das ideias, onde elas surgem até de maneira inesperada, mas sempre são significativas para toda a construção do álbum.
A canção é uma ode à amizade, como o reino da alegria que permeava muito do nosso ser antes do isolamento social. Ouvir “302” é se sentir mais perto dos seus amigos mesmo estando distantes, é uma conexão inexplicável, cheia de energia que toma conta da gente e nos faz dançar.
A animação está por todos os cantos, muito carregada pelos metais que envolvem toda a canção e trazem a gostosa sensação de coletividade. Afinal, “302” é isso, espaço coletivo que sempre cabe mais um.
Luzia-Homem
O sol batendo na janela pela manhã. Você não precisa se levantar cedo, pois o dia é todo só para você. Ao abrir a janela sente a brisa leve fazendo carinho na pele, as árvores balançam lentamente, você experiencia algo tão bom que não sentia a muito tempo. É a contemplação do sentimento nato do ser humano, mas muito pouco presente em nossas vidas.
“Luzia-Homem” é exatamente este momento, o momento mais vívido e doce do seu dia, como o acalanto em nossos ouvidos dando o abraço reconfortante que todos precisamos nesse momento.
As notas pairam no ar da mesma forma que os pássaros planam em nosso imaginário quando ouvimos essa canção. A beleza. A beleza existe, ela é plena. Ela é “Luzia-Homem”.
Ato I e Ato II
A Transoceânica se diluiu. Agora são dois lados, dois amores, duas paixões.
Seguiram caminhos diferentes, mas a conexão sempre existirá, como o mais belo amor, a doçura e a troca de olhares com o sorriso no final. Mar não vive sem Peixe. Peixe não vive sem Mar.
Ato I: Mar
A leveza de cada nota nos guia por um caminho extremamente doce e agradável, é o balanço da música no mesmo ritmo do balanço do mar. Uma combinação incrível da sonoridade das águas, da calmaria do violão e da gradativa junção de teclado com violino que forma uma canção única, harmoniosa e afetuosa.
Ato II: Peixe
O teclado ditando um ritmo com metais orquestrados que flutuam entre a música popular e o erudito, entre o sentimento de felicidade e esperança, entre o afeto e o amor. É a riqueza das notas, dos sons, dos acordes, dos recortes de cada estilo musical que são costurados e se comportam como uma nova canção amável e cuidadosa.
Veja o Lyric Video de Transoceânica
Interlúdio (Concert per Cathy)
Interlúdio.
Substantivo masculino.
Do inglês interlude.
Trecho que, numa composição longa (ópera), intercala partes vocais com outras somente instrumentais.
[Figurado] Intervalo de tempo que interrompe alguma coisa; pausa.
Bem ao meio. Ponto médio no espaço ou no tempo. Em suas dimensões, nas coordenadas espaciais, determinando a posição de um fenômeno.
Au Revoir
A ternura vem e nos abraça. O afeto, apresentado em forma de notas e acordes belíssimos, forma um alvoroço em nosso peito, o sentimento vai tomando conta e quando você percebe já está todo envolvido. Mesmo sem saber francês eu sabia que era uma canção de amor.
O amor em uma canção, o amor em uma voz doce e agradável, o amor em uma sonoridade que nos faz viajar, até mesmo imaginar que estamos em uma cena de filme. “Au Revoir” nos invade, seduz nossa percepção de sentimentos e nos beija com carinho, amor e desconsolo de uma despedida.
A ambientação sonora através de instrumentais orgânicos e eletrônicos nos transporta para lugares inimagináveis e, claro, ao final os metais chegam de forma avassaladora para varrer a dissabor do adeus.
“Au Revoir” é sobre amor, mas a carência dele, o amor que se foi, que faz falta, que dói a alma e amarga o peito.
Ao final, Catherine Cabral (francesa que veio pro Brasil muito jovem e é uma figura de avó para o músico João Soto) conta – em francês – como foi conhecer Ubirajara Cabral, homem que veio a se casar e estão juntos há sessenta anos.
Da Vista do Meu Copo de Café
De onde se pode ver algo. Perspectiva. Panorama: a casa tem uma bela vista. A cidade sob essa vista. A cidade reduzida a uma mera simbologia, seus aspectos entrelaçados com a sonoridade que nos transportam para a vivência da Bossa Nova no Rio de Janeiro.
O copo de café na padaria, enquanto a vida passa. A sua vida passa, a de outros talvez se perca. Numa TV, logo de manhã, tudo escancarado e dela escorre, você sabe o que. A sutiliza dos acordes, notas e timbres encantam, mas escondem. Escondem a verdade, talvez para tornar a dor menor.
João Pedro Mattos Pinto, 14 anos. Ágatha Félix, 8 anos. Marcos Vinicius, 14 anos. Rebeca Beatriz Rodrigues dos Santos, 7 anos. Emilly Victoria Silva dos Santos, 4 anos. Fernando Henrique, 11 anos. Alexandre Silva, 10 anos. Lucas Matheus, 8 anos…
Pra Dois
A primeira decisão que tomei foi apenas ouvir. Através da audição, sem imagens e afins para compartilhar o foco, nós somos capazes de “enxergar” mais longe, de sentir mais, de se concentrar mais. E as ondas sonoras veem entrando, penetrando e você vai sentindo e sendo levado pela musicalidade que não tem igual.
A MPB, que marcou a maioria das canções da Aquino e a Orquestra Invisível deu lugar ao pop. Sem sombra de dúvidas “Pra Dois” vai te levar a mexer o corpo, sozinho, com mais alguém, com todos os amigos (depois da pandemia).
E como essa música cria uma atmosfera alegre e divertida. Parece que a construção de cada camada foi pensada para isso: a base do teclado, as percussões, o sintetizador. Uma mistura de elementos tanto da música brasileira, como o afoxé, quanto com assinaturas da música estadunidense dos anos 70, como Stevie Wonder e Marvin Gaye.
“Pra Dois” se apresenta como a nostalgia que todos nós apreciamos. Lembranças de coisas boas, momentos que sempre estarão guardados no cantinho mais protegido do coração. Mesmo quando situações difíceis nos derrubam, como o fim de um relacionamento, se apegar ao que foi bom e refletir sobre tudo o que aprendeu ajuda a superar de uma forma mais branda.
Veja o Clipe da Canção Pra Dois
Pai
A cidade é a alegoria.
É o abrigo de alguns, nas marquises, abaixo dos viadutos.
Nas esquinas a única forma de conseguir sobrevivência, mesmo que estar lá seja o que mais coloque-a em risco.
Os sinais quando se fecham e trazem a esperança de conseguir se manter em pé mais um dia, ou noite.
Os becos e vielas onde se alojam para prazeres momentâneos, que duram pouco, muito pouco.
“Pai, se tudo o que eu faço é pecado/ E todo dia eu sou ameaçado/ Nas ruas escuras da cidade morta…/ O que eu faço se eu não sou decente?”
As nuances, as entrelinhas, as diversas linhas interpretativas que “Pai” nos proporciona são ricas. Cada um terá a sua, mas todos contemplarão a canção da mesma maneira: com o coração aberto.
A sonoridade penetrante nos transporta para o universo do acalanto, do abraço. E como tantas pessoas precisam de um abraço, um simples abraço. Percussões, cordas, metais e coral em uníssono pela voz dos esquecidos, dos renegados. “Pai” é o canto e o som, do lamento à aclamação.
“O dia é mais claro antes do sol se pôr/ Espero que o sol possa nascer”.
Florestas de Apartamento
Coro.
Substantivo masculino.
Do latim caurum.
Conjunto de sons ou de vozes que se manifestam juntas.
E juntas emanam energias. Energia que também tem sua trilha, o seu caminho. Quase como um rito em transe, o coro guia ao final, nos mostra que estamos próximos do fim.
Os Prédios Cinzas e Brancos da Av. Maracanã
Assim como um ciclo começa ele se fecha.
Interligando-se com “Ruas”, canção de abertura, a última faixa se apresenta como o final de uma jornada, que algumas vezes foi doce, outras bem salgada. Da mesma forma sonora que se apresenta a canção, leve e calma inicialmente e terminando com uma conturbação ruidosa com flertes de psicodelia, dadaísmo e free jazz.
Saímos pelas ruas, encontramos pessoas, rodamos de carro, fomos até à praia, bebemos café na padaria e cá estamos, encarando “Os Prédios Cinzas e Brancos da Av. Maracanã”.
O Disco

“Os Prédios Cinzas e Brancos da Av. Maracanã” foi concebido ao longo de mais de um ano. João Soto, João Vazquez e Leandro Bessa, o trio que forma a banda principal, assinam a produção musical ao lado de Sidney Sohn Júnior (indicado duas vezes ao Grammy Latino que já trabalhou com nomes como Pepeu Gomes, Zeca Pagodinho, Milton Nascimento, IZA e Rapadura).
O monólogo presente em “Au Revoir” é de Catherine Cabral, já a canção “Interlúdio (Concert per Cathy)” é composta e executada por Ubirajara Cabral, esposo de Catherine. “Os Prédios Cinzas e Brancos da Av. Maracanã” foi gravado, mixado e masterizado no Locomotiva Estúdio por Sidney Sohn Júnior.
“Os Prédios Cinzas e Brancos da Av. Maracanã” é uma jornada bela cheia de paisagens sonoras que são contempladas a todo instante. Nem por um segundo você ficará sem sentir uma nova sensação. O disco é abraço, é acalanto, é o suspiro e a fuga que precisamos nesses tempos conturbados.
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