
“Encruzilhada” é o nome do novo disco do baiano radicado em Aracaju Alex Sant’Anna.
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Texto escrito por Maycol Mundoca.
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ESSA NÃO É A CARTA QUE VOCÊ MERECE
O termômetro marcava 38,4 graus de uma febre que não me abandonava quando recebi o aviso: “Encruzilhada” estava disponível para o mundo. Nesses tempos de adoecimentos globais, a arte como sempre vem cumprindo seu papel de antídoto e, nesse sentido, quero chamar a atenção para o trabalho dos artistas sergipanos, principalmente no que toca a autenticidade. Fui ouvindo o álbum de Alex Sant’Anna em doses homeopáticas durante todo dia, já conhecia a maioria das letras, algumas melodias e o conceito central de um álbum que começou a ser gestado ainda em 2020. Mas, ouvir e sentir o trabalho feito é outra história.
Por falar em história, é a partir dela que eu queria falar um pouquinho acerca desse trabalho. Em matéria de Alex Sant’Anna eu não sou nenhum especialista, sou recente, cheguei esses dias no seu universo, isso se eu levar em consideração que o conheço desde 2019 e que ele já fazia música em 1997 e, apesar das audições e das conversas, eu ainda não consegui mapear toda sua obra.
Com base no pouco que conheço, vou riscar alguns pontos sobre seu último trabalho. Para além das questões técnicas, dos arranjos, harmonizações e tudo mais que eu não domino no fazer musical, acho que “Encruzilhada” é, sobretudo, um álbum de quem aprendeu a ouvir na mesma dimensão que aprendeu a sambar. Há nesse trabalho a marca profunda de um corpo em construção. Um corpo em aberto, um corpo que não se fez fim, não se fez findado, resolveu se fazer caminho, se fazer meio, no eterno movimento do recomeço.
“Encruzilhada” é uma picada aberta numa direção diferente de “Baião Amargo” (2020). É um trabalho que contempla as invenções Afro-Brasileiras, as tradições e os ensinamentos de quem aprendeu a tirar a doçura do amargor. Um outro ponto desse disco é o seu caráter pedagógico e de pesquisa. No que tange pedagogia diaspórica, Alex Sant’Anna ouviu mestres e mestras, ensinou, aprendeu e realizou aquilo que Stuart Hall chama de “Desconstrução da Escrita”, reforçando a tese de que nós, povo da Diáspora, nos edificamos na fala, na música e na linguagem múltipla e construímos a estrutura da nossa “vida cultural”.
“Encruzilhada” é um almanaque de benzimentas, trabalhos, encantarias e milongas. Antídoto aplicável aos mais diferentes espaços, inclusive nas escolas. Nesse trabalho, Alex Sant’Anna realizou uma verdadeira imersão no universo encantado e afro-diaspórico sem se prender em nenhum momento em uma negritude rasa, aliás, desde as nossas primeiras conversas, essa sempre foi uma das suas preocupações estéticas, já que conseguir escapar da prisão dos estereótipos é próprio daqueles que carregam a malandragem e a ginga.
O Disco

Concebido mediante apoio do edital nº06/2020, proposto pelo Governo de Sergipe, através da Fundação de Cultura e Arte Aperipê, com recursos da Lei Aldir Blanc, “Encruzilhada” nos coloca em imersão profunda, cuidadosa e guiada pela entidade que guarda, alimenta e cuida de todos os caminhos.
E por falar em caminhos, foram tantos os percorridos nesse disco: Sergipe, Minas, São Paulo, Pará Pernambuco e Bahia. Foram tantas as vozes pelo qual Exu falou: Quésia Sonza, Alessandro Dornelos, Ubiratam Marques, Mayra Felix, Raya Mayara, Táia, Zé Manoel, Diane Veloso, Rafael Ramos, Jr Black, Rodrigo Maranhão, Julico e Jaque Barroso.
Como historiador, eu sou impedido de fazer previsões futuras, não sei ao certo se foi o Marc Block ou a Mãe Diná quem criou essa premissa, mas como sempre fugi dos padrões e da ortodoxia, mas arrisco fazer uma breve previsão, acredito que “Encruzilhada”, no futuro, será objeto de muitos estudos, pois fala do nosso povo, fala das nossas curas, fala das nossas (das outras) filosofias e, sobretudo, sintetiza com maestria esse nosso tempo presente onde o mundo teve vários fins pelas mãos dos homens e tantos outros recomeços pelas mãos das artes.
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