
“Nada Tropical” é o nome do terceiro disco de estúdio da banda Glue Trip.
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Acordei na madrugada e não conseguia mais dormir. Nada me fazia dormir. Meu corpo não estava cansado, talvez as 13h de sono da noite anterior teriam me revigorado até demais. Levantei, fui até a varanda e acendi um. Ali, da varanda do Sesc Cabo Branco, olhando para o imenso mar, vendo a beleza tropical de João Pessoa, eu me senti contemplado, assim como numa música de Marcos Valle. Naquele momento, o quarto não era mais pra mim, desci e fui até a areia da praia.
O sol nascia, começava a iluminar tudo e eu comecei a ouvir sons, uma mistura de ondas do mar, sol despertando, acordes relaxantes, sintetizadores quase fritando, algo bem tropical que combinou perfeitamente com a estética visual daquele momento. Tomado por uma brisa de viver o tempo presente, peguei uma bike que estava ali encostada no Tropical do Pé e, na loucura de ser maior que o sol e o mar, comecei a pedalar.
Nada que estava nesse mesmo lugar ontem, estava agora. As cores eram diferentes, bem mais vivas, fortes e brilhantes, a ciclovia deixou de ser daquela cor vinho e mudava suas tonalidades a todo tempo, como se fosse um mapa de calor das minhas sensações que oscilavam enquanto ainda ecoava na minha cabeça aqueles sons que ouvi na areia da praia, mas que agora se misturavam com outras melodias daquela trip que eu tinha começado lá na varanda e formava uma música que colava na cabeça.
Obviamente a fome chegou. Pedalando pela Cabo Branco eu olhava freneticamente para todos os lados procurando algum lugar pra comer algo, infelizmente a Empadinhas Barnabé estava fechada para minha absoluta tristeza, mas do outro lado da rua, uma padaria para a minha salvação. Já mandei pra dentro dois pãozão caprichado e peguei uma bebida na geladeira que nunca tinha visto. O nome? Le Voyage. Ela tinha simplesmente um sabor esquisito, era meio seco e ácido, tipo um vinho seco chileno, mas no final até tinha um gostinho de doce. Não faço a menor ideia de onde veio esse drink, mas véi, bateu demais.
Veja o clipe da canção “Marcos Valle”
Voltando pra bike, as coisas começaram a passar mais devagar, eu fazia força pra pedalar, mas mesmo assim eu me movia lentamente como numa suave sonoridade de uma orquestra comandada por Arthur Verocai. As pessoas conversavam, mas eu não entendia nada, parecia apenas sons de onomatopeias, como naquelas vezes que tive sonhos intranquilos. Mas a sinfonia sonora não parava na minha cabeça, era uma oscilação entre psicodelia tropical vibrante e outra sonoridade levinha que às vezes até se aproximava da bossa nova, cara, sério, eu fiquei em transe ouvindo tudo isso, simplesmente fascinado por cada elemento que ecoava dentro da minha mente.
Mais à frente, avistei uma letreiro no calçadão da praia, ao centro dele um círculo colorido me chamou a atenção, eu me aproximei e simplesmente ele começou a vibrar, brilhar e rodar sem sair do lugar, um frenesi luminoso sem explicação, mas curiosamente me deixou bem relaxado. Voltando pra bike, peguei a Epitácio Pessoa e pedalei, pedalei e pedalei.
No meu espaço-tempo foram horas na avenida, tudo passando calmamente como num ótimo arranjo em tom baixo num RCA Music Synthesizer. Já sob o rio jaguaré, avisto polvos de água doce com seus olhares em 360° pulando para fora da água e mudando sua cor freneticamente enquanto algo na minha cabeça me dizia apenas “deixe-se acreditar nada vai te acontecer tudo pode ser nada vai acontecer, não tema“.
Eu já estava quase me esgotando, mas segui. Passei por Lagulla, Tia Dora, UNINASSAU, sempre desviando de estudantes e indo pra rua, depois voltando pra calçada pela falta de respeito dos carros. Avistei o histórico prédio da Unisa e, por ali, me perdi pelas ruas até encontrar, sem querer, a lagoa. Parei. Fui andando até a beira, sentei. As azaleias tinham um cheiro doce, as palmeiras em tons amarelos contrastavam com o pôr-do-sol rosado ao horizonte, a luz intensa me conduziu a um porto seguro, as novas nuvens em tons de verde, as folhas de ypê amarelo caíam e, ao tocar o chão, ficavam azuis, ali todas as coisas são o inverso, não dá, não dá, não dá, nada faz sentido. Me deito, fecho os olhos, adormeço. Automaticamente acordo, na minha cama, com os fones de ouvido, ao fundo um som meio maluco feito por algum instrumento eletrônico meio distorcido. Pego o celular e vejo que acabei de ouvir “Nada Tropical“.
O Disco

Com produção musical de Zé Nigro e Lucas Moura (fundador da Glue Trip), “Nada Tropical” é o terceiro disco de estúdio da banda, e o primeiro a não ser produzido apenas por Lucas Moura. Com diversas influências que vão de Marcos Valle a Cátia de França, o álbum tem participações de Arthur Verocai, em “Lazy Days”, Otto, na faixa “Bessa Beat”, YMA, na canção “Le Voyage”, e Felipe S, em “Gergelim”. A obra foi gravada em 2021 nos estúdios da YB Music e Estúdio Navegantes. Glue Trip é Lucas Moura, João Boaventura, Pedro Lacerda e Thiago Leal.
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